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Escrever como exercício de autocuidado

Por Valmiria Duarte 

Escrever cotidianamente pequenos recortes do dia nunca foi uma das minhas paixões. Durante a adolescência, arrisquei-me a manter um diário, tal investida logo sucumbiu. Parte porque isso exigia alguns recursos os quais, na época, eu não tinha, como disciplina e privacidade – quem foi criada em uma casa com muitos irmãos vai me entender – e parte porque a escrita acerca de mim mesma não me encantava.

Já adulta, mesmo depois de estudar processos de escrita e reconhecer o exercício do registro diário como um recurso riquíssimo, usado por diversos escritores com o intuito de extrair, do ordinário, temas para seus textos, tal prática não me atraia. Talvez me faltasse crivo para adotar tal mecanismo, talvez, discernimento, para explorá-lo de maneira adequada.

O fato é que, recentemente, lancei-me a prática novamente e, permitir-me isso, foi uma das melhores coisas que fiz por mim, obrigou-me a voltar o meu olhar para mim mesma.

E se houvesse uma caixa de pandora onde pudéssemos guardar tudo o que fizemos por nós mesmos no último dia...semana...mês.

O que encontraríamos ao abri-la? Embora pareça uma reflexão simples que, a princípio, nos faz pensar nas diversas coisas com as quais nos depararíamos ao abrir essa caixa, na prática, tal experiência, pode nos surpreender.

Quantas vezes você respirou, hoje, e sentiu o ar adentrando o seu pulmão de forma consciente, percebendo essa simples atitude como um presente? Qual foi a última vez que você se presenteou, não por necessidade, mas por mérito? A última vez em que se aplaudiu?

O automatismo tem, cada vez mais, tomado conta da nossa vida. Pensamos estar nos dedicando a nós mesmos, mas, na maioria das vezes, mal percebemos o tempo passar. Quando nos damos conta já é Natal novamente, os filhos cresceram, os sonhos se diluíram e os dias tornam-se cada vez mais escassos, sem que pudéssemos perceber, ao certo, quais momentos da nossa vida, de fato, foram nossos. 

Esquecemos quem somos e a importância que temos, muitas vezes por estarmos absortos na própria dinâmica da vida contemporânea. Assim, listar pequenos gestos, direcionados tão somente ao nosso bem-estar, pode nos condicionar, não só a ter um olhar mais sensível e profundo acerca do nosso valor, mas também a encher nossa caixa de pandora com momentos que possamos chamar de nossos. 

Valmiria Duarte 
Professora

Imagem: Folha de Ribeirão Pires

Valmiria Duarte 

Professora

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